1 de maio de 2020

Criminalização do não pagamento do ICMS – como fica para empresa

 

Sinal de alerta para empresas que atrasam o pagamento do ICMS, no julgamento encerrado em dezembro de 2019, o Plenário do STF mudou seu entendimento acerca dos elementos necessários para a tipificação do crime contra a ordem tributária, especificamente no que diz respeito ao não recolhimento de ICMS próprio.

“Essa decisão é uma novidade que significa a criminalização do não recolhimento do ICMS, o que isso implica para empresas? Infelizmente, há um movimento para tentar criminalizar os inadimplementos tributários, muitas vezes, acarretados pela falta de caixa das empresas decorrente da fragilidade da economia brasileira. Em alguns casos, o contribuinte, mesmo tendo contra si cobranças indevidas, acaba efetuando o pagamento que lhe é imposto por temer enfrentar as consequências de um inquérito e/ou ação criminal, explica Horácio Villen, sócio da Villen Advogados, especializada em direito tributário e associada do Grupo Alliance.

Matheus Silveira Pupo, sócio da Damiani Sociedade Advogados, complementa a informação afirmando que “antes os tribunais e a doutrina criminal tinha como visão de que que somente haveria crime tributário quando o contribuinte não pagasse impostos em razão de fraude em sua documentação/declaração ou quando omitisse dolosamente informações ao fisco. Nas outras hipóteses de supressão ou redução de tributos haveria apenas um ilícito tributário, passível de execução fiscal. Agora o não recolhimento do ICMS próprio, ainda que devidamente declarado, será crime contra a ordem tributária, desde que o contribuinte tenha agido com dolo (tinha recursos para quitar o ICMS e intencionalmente não o fez) ou, ainda, nos casos em que seja ele devedor contumaz”.

Não consegue pagar

Uma dúvida em relação ao tema é se também será crime quando o contribuinte não tem condição de pagar esse tributo. Segundo o sócio da Damiani informa, “somente estará tipificado o crime tributário se o contribuinte for um devedor contumaz (  aquele que não paga qualquer imposto de maneira reiterada) ou quando o não recolhimento for doloso (vende produtos abaixo do preço de custo, visando dominar o mercado). Assim quando o inadimplemento tributário for causado pela completa insolvência da empresa não haverá crime”.

Avaliação do quadro

Segundo o sócio do escritório Damiani, do ponto de vista criminal, a decisão é equivocada. “O sistema tributário brasileiro prevê hipóteses em que os impostos são cobrados ou descontados do contribuinte por terceiros para facilitar a arrecadação. Um grande exemplo disso são os tributos retidos em nome do trabalhador por parte do seu empregador. Estes valores são devidos pelo empregado e pertencem ao fisco desde o momento do processamento da folha de pagamento (fato gerador); porém, por imposição legal, são administrados pelo empregador até a sua final transferência aos cofres públicos. Caso o empregador não repasse tais tributos, ele se apropriará de algo que não lhe pertence, tipificando-se o crime previsto no art.  2º, inc. II, da Lei 8.137/90 (apropriação indébita tributária).

Diferentemente, no caso analisado pelo STF, o ICMS não é devido pelo consumidor final do produto (simplesmente integra o seu preço), mas sim pelo comerciante/vendedor que o antecedeu na cadeia de negócios. Sendo assim, quando não se realiza o pagamento do ICMS declarado o comerciante/vendedor não estará se apropriando de valores pertencentes a terceiros; na verdade, simplesmente, deixará de quitar uma dívida tributária própria. Tal conduta, ressalte-se, jamais foi tipificada na legislação brasileira (salvo quando houver fraude ou omissão dolosa). Dito de outro modo, à míngua de legislação penal, o STF inovou na criação de hipótese inconstitucional de prisão por dívida.

Quem responde pelo crime

A partir dessa mudança de paradigma do STF, empresário que venda seus produtos ao consumidor final e não recolha o ICMS próprio, devidamente declarado, poderá ser processado pela prática do crime, cujas penas cominadas são de “detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

“Além disso, é importante ressaltar que a mesma lógica adotada para o ICMS próprio (equivocadamente, em nossa opinião), em tese, poderá prevalecer para todos os tributos que contribuam na formação do final do produto, como é o caso do imposto de renda, e do ISS”, explica Matheus Silveira Pupo.

Todavia, o desafio exigirá apoio jurídico qualificado, na medida em que, na prática, caberá ao devedor de ICMS próprio demonstrar, durante a investigação e/ou processo penal, que, concretamente, não possui recursos suficientes à quitação integral dos tributos, fato esse que, via de regra, demandará a produção de provas complexas.