28 de fevereiro de 2023
Recentes decisões do STF abrem margem para “pejotização”
As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal abrem margem aos debates sobre a licitude da contratação de funcionários por meio de pessoas jurídicas interpostas, ou seja, “pejotização”, não apenas a execução do trabalho através do regime celetista.
Há tempo se discute a diferença entre trabalho e emprego. Isso porque nem todo o trabalhador necessariamente estaria ou precisaria estar vinculado às regras de um regime celetista. O empregado é somente aquele que está regido pelas disposições da CLT. Em sentido amplo, trabalhador é todo aquele que exerce uma atividade remunerada, termo que recebeu maior abrangência com o avanço das tecnologias e pelo enfrentamento de uma pandemia mundial, situações que levaram a uma flexibilização nas relações de trabalho.
Sob esse contexto, principalmente pessoas com maior grau de instrução e com altos salários, ou seja, consideradas hipersuficientes, passaram a optar e concordar com a prestação de serviços por meio de empresas constituídas, visando principalmente um salário maior, diminuição da carga tributária e uma maior autonomia.
Através de decisão publicada no início deste mês, o Supremo Tribunal Federal, entendeu ser possível a contratação de médicos de um determinado hospital da Bahia por meio de suas pessoas jurídicas constituídas, ou seja, “pejotização”.
O referido processo tratava-se de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho, na qual o Tribunal Regional da 5ª Região (Bahia) decidiu que a contratação de médicos por meio de pessoa jurídica seria uma tentativa de fraudar direitos trabalhistas, caracterizando os respectivos vínculos de emprego, com o pagamento das verbas rescisórias e dano moral coletivo. O Recurso ao TST, por sequência, teve seguimento negado.
A Primeira Turma do STF modificou a decisão do Tribunal Superior e aplicou o entendimento de que seria lícita a terceirização e qualquer outra divisão de trabalho, independentemente da caracterização dos elementos do emprego pela Justiça do Trabalho.
Segundo o Ministro Carlos Alberto Barroso: “É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.” (grifos nossos)
Já o ministro Dias Toffoli liminarmente suspendeu os efeitos de uma reclamação trabalhista em fase de execução e anulou as decisões proferidas no processo, utilizando como argumento que o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a licitude da “pejotização”, pontuando que esta é uma forma válida de terceirização de serviços.
Assim, contrariando a jurisprudência trabalhista, as recentes decisões do STF, tornam lícitos os contratos de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização) desde que o contrato seja real, ou seja, não haja relação de emprego com a empresa tomadora de serviços.
Não há delimitação específica dos trabalhadores que se encontrariam abrangidos pela tese fixada em tal julgado, pode se identificar a vinculação aqueles tidos como profissionais liberais, que percebem remuneração em níveis elevados e têm pleno discernimento para optar pela modalidade de contratação que melhor atende seus interesses, não necessariamente portadores de diploma de nível superior, como exige a CLT para caracterização do hiperssuficiente.
Esses profissionais que fazem a “pejotização” têm em comum a prestação de serviços para diversos tomadores, como por exemplo médicos, que usualmente atendem de forma simultânea diversas clínicas e hospitais, garantindo maior remuneração por seu trabalho. Caso fossem contratados no regime celetista, tal modelo de trabalho, restaria impossibilitado, diante das rígidas imposições para cumprimento de uma jornada de trabalho e subordinação ao poder diretivo do empregador, inerentes ao vínculo empregatício. Dessa forma, é inegável que a prestação de serviços como pessoa jurídica dá maior liberdade ao profissional, que não se encontrará sujeito às inflexíveis disposições da CLT.
Diante da publicação das referidas decisões, a “pejotização” passa a ser um novo e viável modelo de contratação de profissionais por empresas, reconhecendo que a forma de contratação pode ser objeto de livre disposição de trabalhadores e tomadores de serviços.
Importante destacar, que a contratação deve sempre envolver o expresso interesse do indivíduo por esse modelo contratual, não podendo se tratar de uma imposição da empresa contratante. E ainda, que em modelos contratuais que tragam cenários em que a fraude se encontre de fato caracterizada, o vínculo de emprego ainda poderá ser reconhecido.
Verificamos assim, a possibilidade de efetuar contratações não regulamentadas pela legislação do trabalho, podendo ser pactuadas contratualmente, com previsões não admitidas na relação de emprego, e assim permitindo que as peculiaridades de cada ramo econômico sejam observadas.
Assim, o que se observa é que as referidas decisões podem ser consideradas revolucionárias para a Justiça do Trabalho e devem ser vistas como um novo passo para o reconhecimento das novas relações do trabalho.
Hisa Shibayama Patrizzi – associada em Barroso Advogados Associados, empresa associada ao Grupo Alliance, é advogada Especialista em Direito do Trabalho – PUC/SP.
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