13 de agosto de 2024
Problemas com planos de saúde: o desafio de garantir tratamentos adequados
Receber o diagnóstico de uma doença grave é um momento de enorme apreensão para qualquer pessoa e esse medo pode ser intensificado pela negativa dos planos de saúde em cobrir o tratamento necessário.
A situação de problemas com planos de saúde tem se tornado cada vez mais frequente no Brasil. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), os problemas relacionados a planos de saúde lideraram o ranking de reclamações e atendimentos em 2023, representando 29,3% do total.
As principais queixas contra as operadoras de planos de saúde estão relacionadas às coberturas. O gerenciamento das ações de saúde por parte da operadora, incluindo autorizações prévias, franquias e co-participações, ocupa o topo do ranking da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
As principais queixas apontadas contra os planos de saúde são:
- dúvidas e reclamações a respeito de contratos (envolve, principalmente, descredenciamentos e problemas com reembolsos), com 29,7%;
- reajustes de planos de saúde (também 29,7%);
- negativa de cobertura, com 8,74%.
Por outro lado, as Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde convivem, diariamente, com o aumento substancial dos custos assistenciais, insegurança jurídica em relação aos procedimentos que devem ou não ser cobertos, envelhecimento populacional e uma estagnação do número de beneficiários de planos de saúde, que contratam os planos disponibilizados pelo setor há mais de uma década.
O setor da saúde suplementar vive um momento de crise substancial, pois o aumento dos custos e despesas assistenciais não é acompanhado de um aumento no número de beneficiários.
Houve uma redução substancial do número de Operadoras de Planos de Saúde que disponibilizam a contratação de planos individuais, pois os reajustes autorizados pela ANS não são suficientes para garantir a sustentabilidade dessa carteira.
Antes de recorrer ao judiciário
A negativa de procedimentos tem sido uma das principais reclamações dos consumidores, e muitas vezes a saída é buscar o Judiciário. Mas os planos de saúde podem negar o atendimento? A advogada Thais Cavalchi Ribeiro Schwartz, da Boaventura Ribeiro Advogados Associados, esclarece os principais pontos sobre este tema.
Segundo ela, os planos de saúde geralmente negam o custeio de exames e procedimentos cirúrgicos com base na ausência desses exames no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS ou por não atenderem aos critérios das diretrizes de utilização da agência.
“Alegações relacionadas à necessidade efetiva do tratamento e exclusões de cobertura também são comuns. É importante destacar que esses critérios podem variar entre as diferentes seguradoras e planos, e os segurados têm o direito de contestar as negativas de cobertura, buscando orientação junto aos órgãos reguladores e de defesa do consumidor”, explica a advogada.
Quando um plano de saúde nega a cobertura de um tratamento, o conveniado pode contestar a decisão diretamente com a operadora, fornecendo informações adicionais e evidências médicas para justificar a necessidade do tratamento. Além disso, é possível entrar em contato com a ANS ou os Procons estaduais e municipais.
Teresa Gutierrez, advogada especializada na área e sócio da Machado Nunes Advogados, pondera que há uma judicialização que é devida e correta, é a promovida, por negativa de procedimentos que estão claramente previstos. Por sua vez, há também no Brasil, a visão de que o acesso a qualquer tipo de procedimento de saúde deve ser garantido, independentemente de uma avaliação clínica de adequação daquela medida para o paciente em específico.
“É uma visão de que o direito à saúde é absoluto, sem considerar que aquele valor disponível deverá ser direcionado a um grupo de pessoas, que aquele dinheiro, de alguma forma, é coletivo”, avalia Teresa Gutierrez.
“Nesse caso entendemos que caberia ao judiciário implementar um sistema de avaliação técnica de demandas judiciais de saúde também para a Saúde Suplementar, tal como ocorre com o SUS. A longo prazo, a perspectiva é que o juiz da causa consiga avaliar essas demandas previamente, verificando a pertinência clínica para o caso em concreto”, complementa.
No fim das contas, afirma Teresa Gutierrez, ainda que o beneficiário demande o Poder Judiciário, essa conta volta, especialmente para os planos coletivos: “A longo prazo será a empresa que irá pagar ou, para os planos coletivos por adesão, os beneficiários que integram o contrato coletivo pagarão”.
Contestação de negativa de cobertura
Mas, quando se pode e quais os caminhos para contestar essas negativas? Thais Schwartz explica que “dependendo da urgência do procedimento, o segurado pode procurar um advogado e ingressar com ação judicial com pedido liminar. A jurisprudência tende a apoiar que a decisão sobre a melhor terapia ou exames necessários cabe ao médico, e não à operadora de saúde, que não pode se furtar ao custeio dos exames solicitados”, alerta.
Os médicos e especialistas desempenham um papel crucial na defesa dos direitos dos pacientes frente às negativas dos planos de saúde. Eles podem fornecer documentação detalhada sobre a condição clínica do paciente, diagnósticos, prognósticos e necessidades de tratamento, o que dá suporte ao profissional do direito para interpor ações judiciais contra a negativa do plano de saúde. Além disso, os médicos, por estarem familiarizados com as leis e regulamentações, podem orientar os pacientes sobre seus direitos e opções legais.
Mas isso não impede o crescimento dessa procura, segundo Teresa Gutierrez, já que diversos estudos foram realizados nos últimos anos para avaliar o impacto da judicialização da saúde no Poder Judiciário. Em estudo realizado pelo INSPER foi identificado, entre 2009 e 2017, um aumento de 198% dos processos em primeira instância envolvem a cobertura de procedimentos no setor da saúde. Em grande parte dessas ações, o juiz – sem aferição técnica médica prévia – costuma, de fato, dar ganho de causa aos beneficiários.
No SUS, por exemplo, o INSPER verificou um aumento, entre os anos de 2010 e 2016, de mais de 10 vezes dos gastos com demandas judiciais em saúde no SUS. Um aumento desses na saúde suplementar certamente terá impacto na sustentabilidade do sistema e na possibilidade de manutenção dessa atividade a longo prazo.
Tratamentos comumente negados
Os tratamentos mais comumente negados pelos planos de saúde incluem aqueles considerados experimentais ou que não estão incluídos no rol da ANS. Isso pode abranger procedimentos cirúrgicos ou terapias alternativas que ainda não foram amplamente aceitos pela comunidade médica ou que são considerados não essenciais.
“É vital que os pacientes verifiquem os termos de contratação de seus planos e busquem orientação de profissionais de saúde ou especialistas em direitos do paciente ao lidar com negativas de tratamento”, direciona a sócia da Boaventura Ribeiro.
Proteção dos direitos dos segurados
A legislação brasileira e os órgãos reguladores oferecem diversas proteções aos segurados em relação à cobertura de tratamentos pelos planos de saúde. A ANS é responsável por estabelecer normas e fiscalizar as operadoras, garantindo o cumprimento das obrigações legais e a qualidade dos serviços prestados.
A Lei 9.656/98, conhecida como “Lei dos Planos de Saúde”, define os direitos e deveres dos segurados, as obrigações das operadoras, os tipos de cobertura obrigatória e os procedimentos para a contratação e rescisão dos planos de saúde. Além disso, os Procons atuam na defesa dos direitos dos consumidores, incluindo questões relacionadas aos planos de saúde.
“A negativa de cobertura por parte dos planos de saúde é uma questão recorrente e desafiadora para muitos brasileiros. Compreender os critérios utilizados pelas operadoras para negar tratamentos, os direitos dos segurados e as formas de contestar essas negativas é essencial”, finaliza Thais Schwartz.
Segundo Teresa Gutierrez, todo e qualquer sistema de saúde do mundo sofre com o dilema limitação financeira. A grande discussão é em torno das escolhas que os sistemas farão ao longo do tempo para conseguir atender uma quantidade significativa da população. A judicialização da saúde deve ser garantida para os casos em que, claramente, se está diante de um procedimento que, de fato, deve ser coberto, conforme previsto na legislação em vigor.
A judicialização por direitos não previstos claramente em legislação acaba desviando uma discussão que toda sociedade brasileira terá que enfrentar: o que, como sistema de saúde suplementar, estamos dispostos a cobrir?
Não temos como fugir da discussão das escolhas assistenciais que devemos fazer como sociedade civil, o que está acontecendo, segundo Teresa Gutierrez, é que estamos deixando muitas das escolhas assistenciais serem tomadas pelo Poder Judiciário.
Por outro lado, é certo que as próprias Operadoras de Planos podem implementar medidas para orientar a trajetória assistencial de seus pacientes para um caminho preventivo e orientativo. Cada vez mais é comum acordos entre grandes empresas contratantes de planos e o setor de medicina do trabalho para viabilizar essas medidas.
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