
4 de fevereiro de 2025
Crime de apropriação indébita tributária e a ação de recuperação judicial: aspectos legais e implicações
A recuperação judicial é uma ferramenta legal fundamental para empresas que enfrentam uma crise econômico-financeira grave, permitindo que elas se reorganizem e mantenham suas atividades, cumprindo suas obrigações trabalhistas, comerciais e tributárias. Ela é concedida pelo Judiciário após uma análise criteriosa da situação financeira da empresa, com o objetivo de reverter seu quadro de insolvência, sempre que houver a possibilidade de recuperação.
“O deferimento da recuperação judicial demonstra que o juiz reconheceu a gravidade da crise econômica da empresa. A medida visa permitir que a organização recupere sua capacidade de cumprir com as obrigações financeiras, incluindo os tributos devidos”, afirma Thiago Santana Lira, sócio da Barroso Advogados Associados e advogado especializado em gestão tributária.
De acordo com a Lei n. 11.101/2005, com a redação dada pela Lei n. 14.112/2020, a decretação da recuperação judicial implica a suspensão de todas as execuções ajuizadas contra a empresa, incluindo aquelas relacionadas a créditos tributários. No entanto, a legislação também estabelece que os atos constritivos, como penhoras ou arrestos, podem continuar em andamento, mas devem ser previamente submetidos ao juízo da recuperação judicial para análise.
“Embora os créditos tributários não sejam incluídos no plano de recuperação, qualquer ato constritivo sobre o patrimônio da empresa deve ser previamente analisado pelo juiz responsável pela recuperação judicial. O princípio da cooperação jurisdicional garante que as especificidades do processo de recuperação sejam respeitadas”, explica Lira.
Embora a recuperação judicial ofereça um amparo legal para a superação de crises financeiras, uma questão relevante surge no campo penal: o inadimplemento tributário. De acordo com a Lei 8.137/1990, a apropriação indébita tributária é tipificada como um crime, o que levanta a questão sobre o tratamento do inadimplemento fiscal em empresas que estão em recuperação judicial.
Contudo, é importante destacar que o simples não pagamento de tributos, em muitas situações, decorre da escassez de recursos financeiros, sem qualquer ato de má-fé ou fraude por parte do administrador. O conceito de “inexigibilidade de conduta adversa” surge nesse contexto, ou seja, quando o administrador da empresa, devido às circunstâncias excepcionais e à falta de caixa, não tem capacidade para cumprir as obrigações tributárias de maneira adequada.
“A crise econômica enfrentada pela empresa, somada à inexistência de dolo, não deve ser tratada como crime. A legislação prevê a exclusão de culpabilidade em casos de dificuldades financeiras graves. A tipificação penal do inadimplemento tributário deve ser analisada com base na realidade econômica da empresa, que está em recuperação judicial”, defende Lira.
A jurisprudência dos tribunais superiores também tem se alinhado a essa posição. Em decisões recentes, os tribunais têm reconhecido que as dificuldades financeiras enfrentadas pelas empresas, especialmente aquelas em recuperação judicial, podem configurar uma causa excludente de culpabilidade, com base na inexigibilidade de conduta diversa.
“O fato de a empresa estar passando por um processo de recuperação judicial é uma evidência de que ela enfrenta uma crise financeira. Nesse cenário, tipificar o inadimplemento tributário como crime sem comprovar dolo ou fraude é um conflito entre o tratamento do crédito tributário e a própria recuperação da empresa”, conclui Thiago Santana Lira.
Portanto, a recuperação judicial, ao ser concedida pelo Judiciário, reconhece a crise financeira da empresa e, ao mesmo tempo, busca a manutenção de sua função social. Nesse contexto, o inadimplemento tributário, sem o dolo do administrador, deve ser analisado com uma visão mais ampla, respeitando a recuperação da empresa e as condições excepcionais em que ela se encontra.
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