12 de setembro de 2021

Mudança da Lei de Falência. Como ficam as questões tributárias?

 

Já está em vigor no país, desde o início do ano, a Nova Lei de Falência e Recuperação Judicial e Extrajudicial (Lei n.º 14.112, de 24 de dezembro de 2020), que trouxe importantes regulamentações sobre o tema, abrangendo inclusive os aspectos tributários.

“Dentre as principais mudanças, destaco como positiva a possibilidade de requerer parcelamentos especiais e realizar transação tributária, negociando contencioso fiscal diretamente com as procuradorias”, explica Renato Nunes, sócio-fundador do Machado Nunes.

Para Denis Barroso, sócio da Barroso Advogados Associados, “a Lei mudou a forma de atuação das Fazendas (Fisco) no processo de recuperação judicial e nas questões relevantes no que diz respeito às dívidas tributárias já constituídas. As empresas em recuperação judicial ou com falência decretada poderão compensar integralmente o lucro decorrente de ganho de capital na alienação de bens ou direitos, com o uso de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa acumulados na apuração do IRPJ e da CSLL. Outra alteração significante é que a empresa não sofrerá tributação de PIS/PASEP e da COFINS sobre os ganhos financeiros obtidos nas renegociações de dívidas”.

Além dessas mudanças, as Fazendas poderão pedir a conversão em falência das empresas em recuperação judicial que não cumprirem com suas obrigações tributárias, mesmo que as dívidas tributárias continuem como não sujeitas ao plano de recuperação. Inclusive, o pedido de falência pode ser fundamentado em não cumprimento pela empresa do parcelamento de seu débito.

Melhorias para parcelamentos

Ainda dentro das melhorias da lei, um ponto muito relevante são as alterações que ampliaram os benefícios aplicáveis aos parcelamentos de débitos, havendo previsões no sentido de que:

  • para as empresas que estejam em processo de recuperação judicial, ,  as dívidas tributárias federais, vencidas ou não, inscritas em dívida ativa ou não,  possam ser parceladas em até 120 meses (e não mais em 84 meses);
  • 30% das dívidas tributárias federais possam ser liquidadas mediante o uso de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da Contribuição Social, podendo o saldo remanescente ser parcelado em até 84 vezes, observados os limites tratados na legislação;
  • os tributos retidos na fonte possam ser parcelados em até 24 vezes;
  • haja a possibilidade de se firmar a transação tributária de débitos inscritos em dívida ativa da União, com possibilidade de redução de multas, juros e encargos e parcelamento da dívida em até 120 meses.

Impactos das mudanças nos tributos

“Grande parte das mudanças trouxeram novidades bem-vindas e que eram há muito esperadas no âmbito jurídico. Por outro lado, outras alterações que eram aguardadas ainda não foram contempladas pelo legislador, por exemplo, a ainda obrigatória apresentação da certidão de regularidade fiscal após a aprovação do plano de recuperação judicial pela assembleia-geral de credores ou, alternativamente, após esgotado o prazo dos credores para que apresentem a sua objeção ao plano em juízo”, alerta Renato Nunes.

Nunes complementa: “as empresas em situação de recuperação judicial precisam avaliar todos os novos requisitos e condições trazidos pela Lei. É necessário que haja uma avaliação global da situação da pessoa jurídica devedora, evitando, dessa forma, que ela fique futuramente em situação mais prejudicial”.

Levando em consideração tributos na recuperação

“Pagar tributos nunca foi opcional, uma empresa que não consegue gerar riqueza para remunerar seus sócios, pagar seus colaboradores e fornecedores, pagar impostos e contribuições não será a recuperação judicial que a salvará.  As dívidas tributárias não podem ser colocadas à parte dentro do plano de recuperação como sendo algo de menor importância. Esta equalização já vinha sendo exigida pela maioria dos juízes e agora está mais clara e reforçada com a mudança da lei”, explica Denis Barroso.

Tributos e o momento da falência

As empresas com dívidas tributárias deverão observar tratamentos distintos, conforme o momento no qual ela se encontra. O tratamento a ser dado para uma empresa que está em situação falimentar, por exemplo, é totalmente diferente de uma outra que está falida. 

Nos casos que é decretada a falência (falida), não há mais nada que possa ser feito pelos sócios e administradores, pois nestes casos já perderam totalmente o controle sobre a empresa e seus débitos. Tal controle, assim, passa a ser feito pelo administrador judicial. A preocupação agora recai em apresentar documentos e informações solicitados para o encerramento da falência, visando a afastar a possibilidade de se caracterizar a fraude perpetrada pelos administradores ou sócios, que, sendo o caso, poderão até mesmo responder pessoalmente por qualquer dívida da empresa.

Já no que diz respeito à situação falimentar (na qual há processo de falência, mas esta ainda não foi decretada), os cuidados variam conforme a situação específica: é necessário verificar quais foram os motivos que causaram a crise para que se possa estancar a principal causa e evitar extinção da empresa. Se o passivo tributário for a principal causa do estado de falência, é preciso se estudar e fazer o planejamento tributário correto para certificar se o processo de recuperação judicial  pode ser útil ou necessário. Caso contrário, de nada adiantará pedir recuperação se a empresa não conseguir pagar os tributos vencidos e vincendos.

Positiva ou negativa

Para Denis Barroso, analisando essa nova situação, houveram mudanças que vieram para estimular a recuperação da empresa e portanto poderão ser consideradas positivas, como no caso de possibilidade de parcelamento de tributos em um maior número de vezes para uma empresa em recuperação judicial para resolver o passivo fiscal. No entanto,  alguns outros pontos foram bastante prejudiciais e podem até mesmo desestimular as empresa a procurar a alternativa de recuperação judicial para sua reestruturação, que é o da obrigatoriedade do devedor comprovar nos autos a desistência de impugnações, de recursos e de outras ações judiciais que discutam os débitos parcelados. Isso significa, no caso, que eventuais argumentos que questionem a constituição do crédito deverão ser renunciados pela parte, ainda que haja grande probabilidade de êxito na discussão judicial.

Além disso, outra grande modificação que tem conotação negativa é a possibilidade de que seja formulado pedido pelo fisco para a decretação da falência do devedor quando houver o descumprimento dos parcelamentos ou quando identificado esvaziamento patrimonial do devedor que implique liquidação substancial da pessoa jurídica, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive, as Fazendas Públicas. Trata-se, talvez, da alteração mais delicada da nova Lei. Desse modo, um simples não pagamento de acordo tributário já colocaria o fisco, por exemplo, dentre os agentes que possuem legitimidade e interesse jurídico, na decretação da falência.

Assim, deve ser redobrado o cuidado na análise do panorama tributário e no âmbito da recuperação judicial, especialmente, nas situações em que houver a opção de adesão ao parcelamento, tendo em vista que aumentaram as implicações decorrentes desse tipo de acordo judicial.

A opinião é compartilhada por Renato Nunes: “De fato, houve uma série de introduções benéficas aos contribuintes devedores, com novas previsões que possibilitam maior flexibilidade no pagamento das dívidas fiscais. No entanto, as poucas mudanças negativas possuem dimensão considerável, podendo trazer grandes impactos no prosseguimento do processo de recuperação judicial ou de falência da pessoa jurídica”.