24 de junho de 2023

Empresas podem ser associadas a trabalho análogo à escravidão sem saber – veja como prevenir

 

O trabalho análogo à escravidão vem ganhando cada vez mais visibilidade no Brasil, em razão do crescente número de casos. Isso também chama a atenção das empresas, que precisam estar atentas às condições a que são expostos seus colaboradores, principalmente, seus terceirizados, pois, também nesses casos, são corresponsáveis por esses atos.

E não adianta, depois que os casos ocorrem, buscar afirmar que não sabiam, pois terão que responder judicialmente, e na grande maioria das vezes com razão. Além de ter que enfrentar um grande desgaste para a marca, que se vê prejudicada, impactando nos resultados dos negócios. Ou seja, é preciso entender muito o tema para poder combater tais práticas

“O tema é complexo para empresas, pois tem as questões criminais e trabalhistas que são muito graves e, além disso, o desgaste da imagem quando enfrenta uma crise gerada pela denúncia de trabalho escravo. Nos últimos anos, temos visto diversos casos de eventos que prejudicaram a imagem de empresas, o que demanda tempo e muito trabalho para recuperar o valor perdido pela marca”, alerta Rosa Sborgia, sócia da Bicudo e Sborgia Marcas e Patentes.

O trabalho análogo à escravidão é aquele que resulta das seguintes situações:

  • submissão do colaborador a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva;
  • sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho;
  • restrição da locomoção do trabalhador (por dívida contraída, impedimento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo no local de trabalho);
  • vigilância ostensiva a fim de retê-lo no local de trabalho;
  • posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, por parte do empregador ou de seu preposto, a fim de retê-lo no local de trabalho.

“É importante observar que o trabalho análogo à escravidão está, muitas vezes, ligado ao não cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho. Assim, as empresas expõem os trabalhadores a condições precárias e perigosas. Isso é uma violação dos direitos humanos e, além disso, é uma forma de desrespeito à vida e à integridade física e mental dos trabalhadores”, argumenta a CEO da Moema Medicina do Trabalho, Tatiana Gonçalves.

Em relação aos casos recentes, ressalta-se a importância de as empresas garantirem um ambiente de trabalho adequado. “Para os empresários, fica a lição de que é fundamental que empresas e autoridades responsáveis garantam um ambiente de trabalho seguro e saudável. Isso se dá respeitando a legislação, adequando-se às normas técnicas a respeito do tema e promovendo condições dignas a todos os trabalhadores”, afirma Tatiana Gonçalves.

Cuidados com terceirizados

Segundo o advogado Mourival Boaventura Ribeiro, sócio da Boaventura Ribeiro Advogados, casos recentes como o de vinícolas no Rio Grande do Sul e de um grande festival em São Paulo têm em comum o fato de envolver funcionários contratados por empresas terceirizadas.

“Se você se atentar bem, estes escândalos de utilização de mão de obra análoga à escravidão na maioria das vezes envolve a prestação de serviços terceirizados. Antes e durante a vigência destes contratos as empresas contratantes devem analisar e fiscalizar o cumprimento dos mesmos, exigir das contratadas documentos comprobatórios de registro dos profissionais, de pagamento de salários e benefícios, do controle de frequência com a carga horária efetivamente cumprida”, alerta Mourival Ribeiro.

A empresa tomadora dos serviços será subsidiária ou solidariamente responsabilizada pelas violações aos direitos dos trabalhadores (como trabalho análogo à escravidão), o Ministério Público e a Justiça do Trabalho têm atuado no sentido de imputar responsabilidade à empresa que se beneficia desse tipo de mão de obra.

A orientação de Mourival Ribeiro é que as empresas, ao contratar mão de obra terceirizada, fiscalizem e exijam o cumprimento das leis pela empresa contratada, até porque a empresa contratante poderá vir a ser responsabilizada em caso de inadimplência.

Mourival Ribeiro conta que, como forma de prevenção, grandes redes têm adotado programas para monitoramento de cadeias produtivas e fazem estabelecer em contratos a obrigação ao integral cumprimento das leis trabalhistas e de outros incidentes na relação contratual, a fim de garantir a não utilização pela empresa parceira de mão de obra infantil ou trabalho escravo, com imposição de restrições em caso de violações a tais regras.

Mas isso não vale apenas para as grandes empresas, as pequenas e médias precisam ainda mais se precaver. A descoberta de ações erradas ou associadas a esse tipo de trabalho é, com certeza, um grande golpe para os negócios, levando muitas vezes essas empresas a fecharem as portas. Lembrando que elas não possuem a mesma estrutura jurídica das grandes empresas, nem mesmo de marketing.

Cuidados em casa

A preocupação também vem aparecendo em relação aos contratos de trabalho domésticos, com muitos casos de famílias que mantêm funcionários em condições deploráveis e com restrições à liberdade do trabalhador.

“No ambiente doméstico, essa situação se agrava. Via de regra, as empregadas domésticas acabam isoladas do convívio social e familiar. Na maioria dos casos, começam a trabalhar ainda quando crianças, e a situação persiste ao longo de quase toda a vida dessas pessoas, obrigadas ao cumprimento de jornadas excessivas de trabalho e sem direitos básicos ou mesmo sem remuneração regular”, explica Mourival Ribeiro.

O advogado conta que, no ano de 2022, o TST julgou um caso no qual uma professora e suas filhas, durante 29 anos, mantiveram a empregada doméstica em condições degradantes de trabalho e confirmou a condenação imposta a elas por trabalho análogo à escravidão e ao pagamento de indenização por danos morais em valor de 1 milhão de reais.

“Infelizmente, até mesmo em função do isolamento ao qual são submetidas essas pessoas, a maioria dos casos vem à tona por meio de denúncias, mas é preciso diferenciar a violação aos direitos trabalhistas com o trabalho em condições análogas à escravidão”, explica o advogado.

Normas regulamentadoras

Para minimizar os possíveis riscos existentes, as empresas devem se atentar e conhecer as regras regulamentares existentes para o ambiente de trabalho, conforme explica Tatiana Gonçalves.

“As normas estão aí e qualquer pessoa pode ter acesso a elas. O importante é se atentar e avaliar se o ambiente de trabalho está condizente às regras. Um exemplo é a norma regulamentadora do trabalho, número 6, que trata dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). O regulamento deixa claro que a empresa não pode cobrar por essas proteções, além de ser obrigada a fornecer, educar sobre o uso e acompanhar o uso correto”, explica a CEO da Moema Medicina do Trabalho.

Contudo, Gonçalves detalha outra norma, a NR24, que estabelece as condições mínimas de higiene e de conforto a serem observadas pelas organizações. Nessa mesma linha, confira alguns pontos de destaque segundo Tatiana Gonçalves:

  • Locais para refeições: os empregadores devem oferecer aos seus trabalhadores locais em condições adequadas de conforto e higiene para as refeições por ocasião dos intervalos concedidos durante a jornada de trabalho.
  • Alojamento: é o conjunto de espaços ou edificações, composto de dormitório, instalações sanitárias, refeitório, áreas de vivência e local para lavagem e secagem de roupas, sob responsabilidade do empregador, para hospedagem temporária de trabalhadores. Esses espaços devem:
    1. ser mantidos em condições de conservação, higiene e limpeza;
    2. ser dotados de quartos;
    3. dispor de instalações sanitárias, respeitada a proporção de 1 (uma) instalação sanitária com chuveiro para cada 10 (dez) trabalhadores hospedados ou fração; e
    4. ser separados por sexo.

Caso as instalações sanitárias não sejam parte integrante dos dormitórios, devem estar localizadas a uma distância máxima de 50 m (cinquenta metros) desses ambientes, interligadas por passagens com piso lavável e cobertura.

“Esses são apenas exemplos básicos dos cuidados a serem tomados pelas empresas para evitar ser enquadrada em trabalho análogo à escravidão, mas existem muitos outros. Assim, a recomendação é entender as normas e se adequar. Feito isso, os riscos ficam muito menores, garantindo o normal funcionamento do negócio”, finaliza Tatiana.