17 de julho de 2021

As empresas podem lucrar com a LGPD

 

Nos últimos dias, um grande banco vem investindo em publicidade com o foco na privacidade dos dados de seus clientes. É uma resposta aos recentes megavazamentos ocorridos. Muito se tem discutido sobre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e os seus impactos nas empresas. A lei permitirá a aplicação das cabíveis sanções administrativas somente a partir de agosto deste ano. Assim, até o momento, existe uma crença de que as empresas em desconformidade legal permanecem, pelo menos no curtíssimo prazo, imunes a sanções financeiras.

Ledo engano. Mesmo não pagando qualquer multa, as empresas que não investem no tratamento e na proteção de dados, definitivamente, deixam de lucrar e, consequentemente, estão perdendo dinheiro. No âmbito digital, os dados pessoais dos consumidores possuem extrema relevância e valor econômico, o que levou o mercado a classificar tal ativo como “o novo petróleo”.  A comparação é adequada. A nossa vida é online. A troca de informações possui um valor comercial crescente. Tanto que Ajay Banga, CEO da Mastercard, disse que “a diferença é que o petróleo vai acabar um dia. Os dados, não”. A declaração foi feita durante evento de inovação da Mastercard, em São Paulo, em 2019.

Contudo, da mesma forma como o petróleo, que precisa ser refinado para se tornar valioso, as empresas precisam filtrar seus dados, agregando valor às informações obtidas. Quem souber fazer bom uso dos dados coletados, terá em suas mãos um ativo precioso, capaz de impulsionar negócios, aumentar lucros, conter perdas e promover marcas.

Um exemplo é o uso de cookies em um site. Os mais atentos notaram que desde o advento da LGPD, os sites vêm requerendo dos usuários a autorização para uso de cookies. Os cookies são arquivos que contêm informações colhidas durante a navegação e são utilizados para oferecer ao usuário uma melhor experiência no âmbito digital. Através de informações básicas obtidas ao navegar em um site, seu computador armazena esses dados e os utiliza, por exemplo, para personalizar os anúncios e destaques a serem exibidos. Assim, ao buscar num site de passagens aéreas um determinado destino, através das informações obtidas por meio desses arquivos, você passará a receber por um certo período diversos anúncios, sejam de passagem, hospedagem ou passeios para o destino pesquisado.

Ainda que não realize a venda desses dados, o site pode utilizar essa informação para direcionar e-mail marketing, melhorar a experiência de compra ou mesmo verificar o interesse dos consumidores em determinados produtos. Esse é um dos principais modelos para se obter lucro tratando dados pessoais dos usuários.

Além disso, cerca de um terço dos consumidores já deixou de comprar de uma empresa em razão da política ou prática de dados adotada. Em tempos de megavazamentos, a preocupação com a privacidade vem crescendo e se mostra um fator de escolha para os usuários, que cada dia mais atentam para a privacidade e as informações disponíveis na rede.

Isso ficou claro em um estudo realizado em 2020 pela Cisco, empresa do ramo de tecnologia atuante em todo o mundo. A companhia realizou o primeiro estudo sobre o retorno de investimento em privacidade e proteção de dados entre empresas de médio e grande porte.

Intitulada “Da privacidade ao lucro: como obter retornos positivos sobre investimentos e privacidade”, a pesquisa traz importantes dados coletados em 13 países. A análise tem respostas de 2,8 mil pessoas de diferentes cargos em empresas de médio e grande porte. Os resultados demonstram a importância de investir na privacidade e tratamento adequado de dados.

As respostas, que no levantamento anterior já eram favoráveis à cultura de proteção de dados, ficaram ainda mais proeminentes ao longo do ano de 2020, principalmente em razão da pandemia Covid-19. A pandemia trouxe mudanças sensíveis na forma de relacionamento entre empresas e consumidores, em um ano em que home office, compras online e consumo de conteúdo digital foram de suma importância para a população mundial. A transformação digital ocorrida durante 2020 antecipou anos de tecnologia para algumas empresas e consolidou uma nova forma de trabalho, reforçando ainda mais a importância da proteção de dados dentro dessas instituições.

Conforme estudo publicado em janeiro deste ano, intitulado “Forged by the Pandemic: The Age of Privacy” (“Forjado pela pandemia: a era da privacidade”), também realizado pela Cisco, que entrevistou mais de 4,7 mil profissionais de 25 países, no ano da pandemia os orçamentos das empresas para projetos envolvendo privacidade dobraram. Para citar um exemplo do aumento da preocupação com a privacidade, em 2020 certificações de privacidade como Privacy Shield e ISO 27701 representaram um fator de compra e escolha de fornecedor para 82% das empresas em todo o mundo. Já em 2021, esse número saltou para 90%.

Mas a pergunta que fica é: qual o benefício para uma empresa investir no correto tratamento de dados e privacidade? Entre as empresas entrevistadas, a proporção média de retorno de investimento é de 2,7. Ou seja, para cada US$ 1 investido em privacidade e tratamento adequado de dados, o retorno gerado é de US$ 2,7 em benefícios para a empresa. No Brasil, essa proporção é ainda maior, uma vez que, segundo a pesquisa, o retorno médio é de US$ 3,3 para cada US$ 1 investido. Entre 2019 e 2020, o número de empresas que assimilaram o conceito e reconheceram os benefícios do investimento em privacidade dos dados dos usuários cresceu de 40% para 70%.

As empresas precisam ter consciência de que não é apenas uma questão de adequação à lei. É muito mais do que isso, na prática. A questão é totalmente estratégica e mercadológica. A hora de investir na privacidade e no tratamento dos dados dos clientes é exatamente agora. As empresas que mais cedo se adequarem à LGPD aproveitarão o bom momento para se destacar em um mercado cada dia mais competitivo. Com isso, sairão ganhando ao aumentar seus lucros. O cenário mostra que, cada vez mais, a privacidade e a proteção de dados são fundamentais para a sobrevivência das empresas nesse novo mercado.

 é criminalista especializado em Direito Penal Econômico e sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados.

 é especialista em Direito Digital e proteção de dados pelo Data Privacy Brasil e associada do Damiani Sociedade de Advogados.