25 de fevereiro de 2022

O retrocesso na justiça do trabalho?

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no fim de 2021, pela inconstitucionalidade dos dispositivos da reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) que obrigavam o beneficiário da justiça gratuita a pagar pela perícia e pelos chamados honorários advocatícios sucumbenciais – quando há decisão judicial desfavorável. Para os empresários isso pode ser um grande risco, possibilitando que empregados entrem com ações descabidas. 

Mas, qual o efeito prático dessa decisão, para entender melhor a revista Gestão In Foco conversou com o especialista em direito trabalhista Dr. Mourival Boaventura Ribeiro, da Boaventura Ribeiro Advogados:

Recentemente em uma decisão surpreendente o STF retomou a justiça gratuita em alguns casos de processos trabalhistas, o que isso significa? 

Não diria a você que esta medida chega a causar surpresa, pois a Constituição Federal estabelece em seu artigo 5º inciso LXXIV, que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, diferentemente de outras esferas no Direito, o Direito do Trabalho sempre foi tido como um direito “protetivo”.  

Com a decisão do STF declarando ser indevido o pagamento de honorários sucumbenciais e periciais por beneficiários da justiça gratuita, caso percam a ação, ainda que obtenham créditos suficientes para o pagamento desses valores em outra demanda trabalhista, voltaremos a nos deparar com enxurrada de demandas e pleitos absurdos sem qualquer base ou fundamento legal, ações postulando indenizações do dano moral, insalubridade e mesmo periculosidade que tiveram significativa redução após a vigência da reforma trabalhista, tendem a crescer novamente com a decisão agora proferida pela Corte Superior.

A questão é que a grande maioria dos Juízes trabalhistas, de forma quase de automática acabam por deferir ao reclamante os benefícios da gratuidade da justiça, seja o autor da ação ajudante geral ou gerente de uma grande empresa, penso que o deferimento a tal benefício deveria sim ocorrer, porém àqueles que comprovadamente possuam baixa remuneração, e analisado com maior critério quando a parte tenha elevados rendimentos. 

Quais os efeitos disso na prática para os tribunais?

Acredito que o deferimento quase automático dos benefícios da justiça gratuita resultará em curto espaço de tempo no ajuizamento de demandas com muitos pedidos sem qualquer ou fundamento legal haja vista que escudada nos benefícios da justiça gratuita enxergará a parte não uma forma de acesso à justiça e sim a possibilidade de uma “demanda sem risco”, haja vista que ainda que julgados improcedentes a maioria dos pedidos por ela formulados, não haverá qualquer consequência financeira deste indeferimento.

Neste cenário, cabe lembrar que a reforma trabalhista também trouxe em seu bojo, a possiblidade do Juiz, de ofício ou a requerimento da parte condenar aquele que litiga de má-fé ao pagamento de multa em percentual de até 10% do valor atribuído à causa, objetivando indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. Embora pouco aplicado, a se deparar com pedidos sem qualquer base legal, poderá a empresa invocar tal dispositivo de lei e requerer sua aplicação. 

Na sua opinião, é um retrocesso na justiça trabalhista?

Entendo que sim, pois na maioria dos casos os Juízes ao fixar a responsabilidade do Reclamante ao pagamento de honorários de advogado, determinam na própria decisão a suspensão da exigibilidade de tal verba, porém, ainda, persistia o efeito psicológico da medida, os próprios profissionais que representam os interesses do Reclamante sopesavam a viabilidade de formular ou não determinado pedido, o que doravante, deixará de existir.

Tome-se por exemplo a verdadeira banalização do instituto do Dano Moral na Justiça do trabalho, que se verificava em período pré-reforma, quando se criou um verdadeiro mercado de ressarcimento moral, há algum tempo atrás um Juiz ao julgar pedido de indenização por dano moral, constou da sentença que “os pleitos de indenização por dano moral haviam se transformado na batata frita do processo, pois passaram a acompanhar a totalidade dos casos por ele julgados”, aqueles que atuam neste segmento do Direito, sabem que tal assertiva é verdadeira. 

Quadro do númeor de ações trabalhistas no ultimo 20 anos

Com as mudanças da reforma trabalhista em relação ao tema, ocorreram reduções de ações trabalhistas? Como era antes e depois da reforma?

Comparativamente com 2017, tivemos em 2020 uma redução percentual de 27% no número de ações trabalhistas ajuizadas, obviamente que não podemos deixar de considerar que o ano de 2020 foi impactado pela COVID, mas mesmo antes deste cenário, os dados do TST já apontavam para uma diminuição no número de ações, acredito que em 2022, teremos sensível aumento nas demandas ajuizadas. Não tenho dúvidas que principal motivo para a redução foi a adoção de critérios para formulação dos pedidos apresentados nas lides.  

Quais os impactos para empresas e como elas podem fazer para reduzir tais contingências?

Embora a Reforma trabalhista tenha trazido em seu bojo possibilidade de flexibilização de algumas contratações, na prática, isto não saiu do papel, verifica-se resistência de muitos juízes em aplicar alguns dispositivos introduzidos pela reforma. Nenhuma empresa deixará de contratar algum funcionário em função dos direitos previstos em lei ou em norma coletiva, a questão central é que atualmente, muitos profissionais, principalmente das áreas de TI e marketing, para citar apenas dois exemplos, simplesmente não querem trabalhar em regime CLT, e tal ocorre por uma questão muito simples, o profissional com vinculo de emprego e faixa salarial acima de R$ 5.000,00, por exemplo, embolsará apenas cerca de 60% de sua remuneração, os 40% irão direto para o governo sob rubricas IRPF e contribuição ao INSS, enquanto que sem o vínculo embolsarão de fato, cerca de 90% deste valor.

As empresas que optam por contratação denominada “PJ”, acabam por assumir riscos de vir a serem condenadas por vultuosas somas, haja vista que a prova de subordinação, essencial para caracterização da relação de emprego é relativamente simples de ser produzida, risco este que restará agravado pela isenção do Reclamante ao pagamento de custas e honorários, neste cenário, deve a empresa analisar criteriosamente esta modalidade antes de efetuar tal opção. As contingências serão reduzidas quando o empregador proceder todos os registros e contar com o suporte de profissionais especializados.