27 de agosto de 2024
Novos casos de trabalho análogos a escravidão: Preocupação de empresas deve ir além do trivial
Em uma recente operação coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, 82 colaboradores foram resgatados em condições análogas à escravidão em Itapeva, interior de São Paulo. As condições de trabalho encontradas eram alarmantes, com destaque para a falta de equipamentos de proteção e a dificuldade de acesso à água potável. A denúncia e a ação não são isoladas, refletindo um problema mais amplo e crescente no Brasil.
Os números são preocupantes: em 2023, o país registrou um aumento de 61% no número de denúncias de trabalho escravo ou análogo à escravidão em comparação ao ano anterior, com 3.422 denúncias protocoladas pelo Disque 100, o maior número desde a criação do serviço em 2011, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
A CEO da Moema Medicina do Trabalho, Tatiana Gonçalves, destaca que “o trabalho análogo à escravidão muitas vezes está ligado ao não cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho. Assim, as empresas expõem os trabalhadores a condições precárias e perigosas, violando os direitos humanos e desrespeitando a vida e a integridade física e mental dos trabalhadores.”
Como as empresas podem ajudar no combate
O aumento nos casos de trabalho análogo à escravidão acende um alerta para as empresas, que precisam estar atentas às condições de trabalho a que são expostos seus colaboradores e terceirizados. A ignorância sobre esses abusos não exime as empresas de responsabilidade legal e do desgaste reputacional que pode impactar significativamente os negócios.
O trabalho análogo à escravidão é caracterizado por:
– Submissão do colaborador a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas;
– Sujeição do trabalhador a condições degradantes de trabalho;
– Restrição da locomoção do trabalhador;
– Vigilância ostensiva para reter o trabalhador no local de trabalho;
– Posse de documentos ou objetos pessoais do trabalhador para retê-lo no local de trabalho.
Cuidados com terceirizados
O advogado Mourival Boaventura Ribeiro, sócio da Boaventura Ribeiro Advogados, ressalta que casos recentes frequentemente envolvem trabalhadores contratados por empresas terceirizadas. “Se você se atentar bem, recentes escândalos de utilização de mão de obra análoga à escravidão na maioria das vezes envolvem a prestação de serviços terceirizados. Antes e durante a vigência destes contratos, as empresas contratantes devem analisar e fiscalizar o cumprimento dos mesmos”, alerta Mourival Ribeiro.
A empresa tomadora dos serviços será subsidiária ou solidariamente responsabilizada pelas violações aos direitos dos trabalhadores. O Ministério Público e a Justiça do Trabalho têm atuado no sentido de imputar responsabilidade à empresa que se beneficia desse tipo de mão de obra.
Cuidados em casa
A preocupação também se estende aos contratos de trabalho domésticos, com muitos casos de famílias que mantêm funcionários em condições deploráveis e com restrições à liberdade do trabalhador. No ambiente doméstico, essa situação pode se agravar, com empregados domésticos frequentemente isolados do convívio social e familiar, trabalhando em condições de exploração extrema.
Em 2022, o TST julgou um caso no qual uma professora e suas filhas mantiveram uma empregada doméstica em condições degradantes de trabalho por 29 anos, condenando-as ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 1 milhão de reais.
Normas regulamentadoras
Para minimizar os possíveis riscos, as empresas devem conhecer e seguir as regras regulamentares para o ambiente de trabalho. Tatiana Gonçalves explica: “As normas estão aí e qualquer pessoa pode ter acesso a elas. O importante é se atentar e avaliar se o ambiente de trabalho está condizente às regras. Um exemplo é a norma regulamentadora do trabalho, número 6, que trata dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). O regulamento deixa claro que a empresa não pode cobrar por essas proteções, além de ser obrigada a fornecer, educar sobre o uso e acompanhar o uso correto.”
Além disso, Gonçalves detalha a NR24, que estabelece as condições mínimas de higiene e conforto a serem observadas pelas organizações. Entre os pontos destacados estão:
– Locais para refeições: os empregadores devem oferecer locais adequados de conforto e higiene para as refeições durante os intervalos de trabalho.
– Alojamento: deve ser mantido em condições de conservação, higiene e limpeza, dotado de quartos, instalações sanitárias adequadas e separados por sexo.
“Esses são apenas exemplos básicos dos cuidados a serem tomados pelas empresas, mas existem muitos outros. Assim, a recomendação é entender as normas e se adequar. Feito isso, os riscos ficam muito menores, garantindo o normal funcionamento do negócio”, conclui Tatiana.
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